A melhor série do Mundo saiu a 3 de Abril, na Netflix, dia em que a vi de desenfreada. Sem spoilers, a série está fantástica, para não variar, tem ação que nunca mais acaba, como já nos habituaram, e faz-nos querer mais e mais! Vou escrever um artigo com spoilers porque preciso falar do assunto com alguém, e hoje ainda ninguém viu a série completa. Portanto vou escrever tudo que quero e me apetece caso alguém tenha visto e queira discutir o assunto. De qualquer modo, se ainda não viste não esperes melhor oportunidade do que uma quarentena!
Entrevistei alguns profissionais de saúde, como já referi anteriormente aqui, e irei partilhar as respostas no blog. Não os quis maçar demasiado por isso tentei ser sucinta. Se entretanto tiveres alguma questão podes deixa-la abaixo. E caso sejas um profissional de saúde a trabalhar neste momento e quiseres partilhar alguma história ou responder às questões que vou deixar abaixo poderás enviar-me para o Instagram ou por e-mail. A segunda profissional que se disponibilizou a responder às minhas questões foi a Enfermeira Sara Dourado. Se ainda não conheces fica a conhecer. É verdadeiramente inspiradora! E transmite uma energia muito positiva.
1-Qual a tua área e em que distrito do país trabalhas?
Sou enfermeiras. Estava fora da enfermagem há 5 anos, porém chegou a hora de arregaçar as mangas e dar o meu contributo. Estou a colaborar com um laboratório de análises, fazemos o teste covid ao domicílio.
Estou a trabalhar no distrito de Viana do Castelo, dando resposta a esta zona. Mas já tivemos solicitações de pessoas do Porto e até mesmo mais a sul... Não recusamos, e fizemos o teste a essas pessoas também.
2-O que é que mais custa nestes dias em que mais de metade do país está de quarentena e tu estás a trabalhar? E o que é mais positivo?
Custa-me a leveza com que algumas pessoas encaram este assunto. Custa-me a falta de colaboração das pessoas que continuam a sair de casa por motivos supérfluos. Custa-me que as pessoas não percebam que isto é um problema de todos e que todos temos de contribuir para travar a pandemia. Custa-me que ficar em casa represente uma dificuldade tão grande quando custa tão pouco comparado com as consequências que isso pode trazer para as pessoas, para as suas famílias, vizinhos, e para o Mundo. Custa-me a sensação de remar contra a maré quando vemos as pessoas a não cumprir o que se lhes pede. Custa-me ver o aproveitamento económico de algumas empresas frente à pandemia. E, desculpe-me o egoísmo, custa muito, mas mesmo muito, estar longe do meu filho. Vê-lo ao longe numa varanda, com os olhos cheios de água a perguntar-me quando isto acaba.
3-Como é lidar com as pessoas que chegam ao teu local de trabalho? Elas costumam estar calmas? Agitadas?
Eu não lido com pessoas com sintomatologia muito grave. Porém sinto que as pessoas têm medo e vivem numa ansiedade enorme. Calma, mas com muito medo. Tento lidar com seriedade, mas com calma. Não serve de nada entrar em pânico nem alarmismos desmedidos. Informo as pessoas o melhor que posso consoante a capacidade de compreensão de cada uma, esclareço dúvidas, ponho o meu número de telefone à disposição 24h/dia para tirar questões e aliviar o stress. Procuro consciencializar as pessoas da sua responsabilidade social no combate à pandemia. E no meio disto tudo, tentamos rir, levar alegria, brincar e deixar uma energia de esperança e de fé. Confesso que levo comigo as dores das pessoas. Cada teste que vem negativo, é uma vitória também para mim.
4-Achas que os utentes estão a atuar bem quando se dirigem ao teu local de trabalho? Cumprem as regras? São pacientes?
Eu lido apenas com os utentes no seu domicílio. E cumprem tudo o que lhes peço. A nível de higiene, preparação do espaço de colheita ...etc., as pessoas colaboram muito. Porém todas têm pressa em fazer o teste o quanto antes. Esperam pela sua vez com ansiedade e pelo resultado ainda com mais ansiedade. Mas tento agendar os testes para o mais brevemente possível, nem que para isso tenha de trabalhar até mais tarde. O mesmo se passa no laboratório, que está a trabalhar também Sábados e Domingos para que os resultados saiam mais rápido, mas sem comprometer a qualidade do exame, claro.
5-Tens algum momento que gostasses de partilhar que te tenha feito ganhar o dia? Algo de positivo que tenha acontecido durante o teu trabalho.
Confesso que neste momento em que todos temos os sentimentos à flor da pele, todos os momentos têm sido significativos. Há um em particular que me toca. A directora de um lar de idosos, ligou para a minha chefe e agradecer e a elogiar toda a equipa realçando o trabalho cuidadoso e atencioso da enfermeira com os seus idosos. Claro que fico muito feliz por conseguir fazer a diferença na vida das pessoas. Que no meio do caos a minha intervenção tenha sido algo de positivo. Porque isto de ir fazer o teste ao domicílio, sobretudo a idosos tem muito que se lhe diga. Há utentes com variados problemas de saúde, de défice de compreensão, agitação e nervosos com isto tudo. Já fui a casa de idosos em que tive de conversar muito com eles para ganhar a confiança, dei o pequeno almoço, os comprimidos, acalmei-os, e só depois fiz o teste covid, que demora 5 minutos. É um trabalho holístico. Tem de ser feito com muita humanidade. O reconhecimento é a melhor forma de pagamento, sem dúvida.
6-E sem entrar em muitos detalhes, assististe a alguma situação menos feliz?
Dar a notícia de um teste positivo não é um momento nada feliz. E custa bastante. Mas alguém tem de o fazer.
7-Relativamente ao teu dia, podes resumir-mo?
O meu dia começa com os domicílios que foram programados no dia anterior. Dura desde as 8h até cerca das 13h. Há que realçar que durante este período não como, não bebo, nem posso ir à casa de banho. Estou equipada. E não posso retirar a farda durante toda a manhã. O que mais me custa, honestamente, é não conseguir ir à casa de banho. Chego ao fim da manhã com enormes dores de bexiga. Chego a casa, desinfecto-me. Almoço. E fico toda a tarde a receber chamadas para esclarecimentos, marcações de testes. Eu própria ligo aos utentes a dar o resultado dos testes. Os que tiveram teste positivo ligo uma vez por semana a perguntar se estão melhor para dar um acompanhamento e um apoio. Este trabalho não me é pedido, mas sinto-me bem em fazê-lo. Já me inscrevi na Saúde 24 e na Ordem dos Enfermeiros para possível reforço nos Serviços de Saúde. Já me ligaram de alguns sítios a perguntar disponibilidade, pelo que creio que as minhas tardes e noites vão começar a ficar preenchidas também. Já que estou sozinha em casa, o meu filho entregue à minha mãe, estou totalmente disponível para trabalhar nesta luta. No fim do dia, treino, por vezes medito e cuido de mim e da minha saúde física e mental.
8-E no que respeita a luvas, máscaras e outro equipamento de proteção? Tem sido fácil usar? No teu local de trabalho toda a gente anda devidamente protegida?
Confesso que ao início andávamos meios perdidos porque ainda não havia uma normativa que nos orientasse. O laboratório ainda não tinha tudo o que precisávamos para trabalhar... Entretanto esgotou imensa coisa nos fornecedores, e os utentes à espera do serviço. Foi um momento de adaptação de recursos. Eu comprei do meu bolso material que fui encontrando, a minha chefe também trouxe material da clínica privada dela, e fomos gerindo assim. Protegida, mas não a 100%. Hoje já temos tudo. Sinto-me super segura e inspiro confiança aos utentes. O que é extremamente importante. Não imagina a solidariedade de amigos e conhecidos, ofereceram-me máscaras, luvas, álcool... o que tinham. Foi comovente a solidariedade em que me vi envolvida. Senti uma energia de gratidão à minha volta e o sentimento de que as pessoas zelavam pela minha segurança. E isso foi tão reconfortante. Eu alimento-me muito destas pequenas grandes coisas, dão-me energia e força para continuar a fazer o meu trabalho com empenho, amor, dedicação, profissionalismo. Por mim e por todos nós. Isso do “juntos somos mais fortes” não é uma frase feita. É mesmo assim. Juntos na fé, na energia de luta, na confiança, nesta luta. Eu costumo dizer que nestas situações de enorme crise e tempestade as pessoas mostram do que são feitas. E é bonito o que tenho visto, na generalidade.
9-Para terminar, gostarias de deixar algum conselho a quem está em casa e se sente bem? E a quem tem algum sintoma?
Aos que estão em casa e se sentem bem, mantenham-se em casa. Tenham todos os cuidados. Mais vale pecar por exagero do que correr o risco de deixar entrar o vírus nas vossas vidas. Aproveitem para estar uns com os outros como nunca estiveram. Aos que têm sintomas, tenham calma. Pode não ser nada. Liguem para a saúde 24, insistam. Façam a gestão dos sintomas ligeiros em casa. Liguem para os centros de saúde. Não saiam de casa a não ser que estejam realmente mal. Os que vêm de fora, isolem-se. Mesmo que se sintam bem, isolem-se. Ou então façam o teste a título privado e tirem a dúvida. Não corram o risco de infectar ninguém. Aos que têm covid positivo, informem os patrões e colegas de trabalho. Informem as pessoas com quem estiveram nos últimos dias. Não é vergonha nenhuma. Vergonha é guardar isso para si e deixar possíveis infectados continuarem a disseminar. Isto é uma doença de todos. E a solidariedade faz parte da vacina que procuramos, e essa já temos. Vamos usar e abusar. Se tiverem amigos enfermeiros ou médicos, liguem, tirem dúvidas. Tenho a certeza que ninguém vos negará. Ser enfermeiro não é apenas uma profissão, é um modo de vida. Corre-nos nas veias. Ajudar é uma missão. Usem todos os recursos que tiveram à mão para se esclarecer. Não fiquem na dúvida. Sejam prudentes. Estamos juntos nisto. E só conseguimos vencer juntos.
